Porque estão reproduzindo os discursos opressores, dos mesmos algozes que nos queimaram na Inquisição?
Decepcionadamente me deparei na semana passada (9 de julho de 2018) com várias postagens acompanhadas da #ADPF442 de páginas, perfis e empreendimentos relacionados a práticas integrativas e ginecologia natural, contra a descriminalização do aborto. No próximo mês em Brasília acontecerá a primeira audiência pública desta ADPF, a 442, que irá debater no Supremo Tribunal Federal a descriminalização do aborto voluntariamente até a 12ª semana de gestação. Esta ação está correndo porque o PSOL apresentou a proposta de Lei com a ANIS (uma organização de ética e direitos humanos), e juntamente com o envio de vários Amicus Curiae por organizações contra e a favor da descriminalização do aborto. Essa ferramenta (Amicus Curiae) é literalmente uma opinião de organizações civis “amigas da corte”, onde neste documento são apresentadas pontos de vistas, pesquisas, evidências científicas, experiências etnográficas, etc. Existe uma mobilização feminista a favor da descriminalização do aborto, e que está atuante para a #ADPF442. Porém, estão as organizações pró-morte também (apelido para os que são a favor que as mulheres continuem morrendo e criminalizadas por abortarem).
Pois a partir deste contexto, eu me pergunto:
Não se lembram que saúde integral é aquela que envolve bio-psico-social?
Qual momento histórico, dentre tantos de nossa triste trajetória de opressões, saltaram em seus estudos que não percebem que estar contra os direitos sexuais e reprodutivos, contra a autonomia da escolha livre e informada, é estar contra as mulheres?
Se queremos mulheres saudáveis, felizes, fortes, encorajadas, com poder sobre si mesmas, porque estamos reproduzindo discursos de quem nos quer manter controladas?
É sabido que a interrupção voluntária da gravidez é uma constante na história natural da saúde das mulheres. Sempre houve e sempre haverá quem irá abortar. Por infinitas razões, e este é um ponto muito equivocado e inútil de debate.
Na idade média, quando a igreja católica passa a ter poderes de Estado, a reprodução humana passa a ser objeto de negócios e parte importante da economia europeia. Vocês podem ler essa história completinha no livro da Silvia Federich, “O Calibã e a Bruxa” (tem até em PDF na internet, já compartilhado muitas vezes nesta página).
Com a construção da ideia de mulher e de máquina reprodutiva, concomitante com sua vida restringida aos cuidados do lar e do que se formatou como família nuclear, a rejeição à maternidade e a reprodução passaram a ser crime (pecado).
Essa ideia é tão fortemente arraigada que estamos vivendo isso tão fortemente em 2018, quanto como em 1650.
Ok, eu posso ver vantagens em ter acesso à DIU (cof-cof…), pílula contraceptiva, camisinhas, etc. Porém, a ideia e a ideologia por trás do controle reprodutivo das mulheres está intocada, quando vemos as leis que restringem a interrupção voluntária da gravidez, e mais que isso, a criminalização por não querer levar uma gravidez a diante.
Quando as bruxas, parteiras e curandeiras são expulsas dos cuidados das mulheres nos séculos XVIII e XIX, o corpo das mulheres, além de ter sido transformado em um objeto sexual e reprodutivo, é passado de mãos em mãos, tutelado entre padres, pais, maridos e agora dos médicos, encaixotando estes cuidados na míope visão do recém criado modelo bio-médico.
É aqui que a reivindicação do movimento de ginecologia natural pauta suas questões: a retomada dos cuidados de mulheres por mulheres e por si mesmas. Este “movimento” se iniciou na década de 60, no seio do movimento feminista que lutava pelos direitos humanos das mulheres. Essa luta tem origem: há um porque, onde e quando o poder das mulheres sob si mesmas foi tomado. E ele foi todo baseado na objetificação e essencialismo biológico das mulheres, pautado na reprodução, em ter útero.
É maravilhoso poder gestar, parir! Sim, é! Mas gestar, parir e maternar só pode ser maravilhoso se for uma ESCOLHA! A capacidade animal de reprodução é apaixonante, é mesmo incrível a seleção natural e a evolução humana para chegar na reprodução, na capacidade de procriar. E isso não deveria se tornar um fardo pesado ou uma obrigação.
Diferente dos outros animais, nós humanas somos seres culturais e sociais (e existem as teorias que outros animais também!), e podemos, temos recursos e sabedoria, para escolher muitas coisas, inclusive se queremos gerar outro ser humano ou não e em que momento de nossas vidas.
Sabendo que nenhum método contraceptivo é 100% eficaz, e que sim, as pessoas transam, porque sexo é bom, é saúde, trás alegria, algumas vezes alguns métodos irão falhar, e esta mulher vai se deparar com uma gestação não desejada. E porque devemos engrossar a voz do machismo dizendo que ela deve seguir uma gestação indesejada e infeliz ou correr riscos de vida em um aborto inseguro?
Nós como, apoiadoras das mulheres, temos a oportunidade de avançar com os direitos das mulheres incluindo nos discursos e reivindicações que proteja e celebre a autonomia das mulheres, e não ao contrário! Cada mulher deve ter o direito de escolher se quer interromper uma gestação ou não, e não podemos permitir que seja criminalizadas por escolher!
Por uma ginecologia natural que apoie a liberdade e a emancipação das mulheres, e não meias correntes!
Que sejamos abolicionistas de todas prisões que prendem os corpos das mulheres!
Sugestões de leitura:
El Asalto Al Hades – Casilda Rodrigáñez
O Calibã e a Bruxa – Silvia Federich
Bruxas, Parteiras e Enfermeiras – Barbara Encherich e Deirdre English
Para Seu Próprio Bem – Barbara Encherich e Deirdre English
Mamamelis – um guia de ginecologia natural – Rina Nissim
Nossos Corpos, Nossas Vidas – Coletivo de Boston
A Medicalização do Corpo Feminino – Elisabete Meloni
A Arte de Enganar a Natureza – Fabiola Rodhen
A Mulher no Corpo – Emili Martin
O Segundo Sexo I e II – Simone de Beavoir
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